quarta-feira, 16 de julho de 2014

Cota com a humanidade

- Descobri naquele momento que aquela era a minha cota com a humanidade - descreve agricultor Juarez Felipi Pereira com os olhos marejados.

Tem como não se emocionar como uma história dessas?
Vou contar:

Acontece que o agricultor de Barra do Ribeiro trabalhou por 30 anos na atividade agrícola convencional, com uso de agrotóxicos. Há 12 passou por um período de reeducação alimentar e converteu a produção para o cultivo orgânico. Na tentativa de resgatar variedades crioulas, como o arroz farroupilha presente em sua família por mais de 80 anos, conta ter tido uma especial lembrança do que já fazia com sete anos de idade.

- Tive um Insight, foi como se eu, com 44 anos, andasse de mãos dadas comigo mesmo ainda menino. Foi um momento fantástico, cheio de vida - completa emocionado.

(Na verdade acho que ele quis dizer Déjà vu, que é uma reação psicológica fazendo com que sejam transmitidas ideias de que já se esteve naquele lugar antes)

Ele conta que há 12 anos se identifica com uma responsabilidade e viveu um momento especial na sua vida ao se dar conta desse papel. O autoconhecimento fez com que o agricultor agisse imitando um pesquisador, fazendo relatórios dos seus cultivos sem saber se um dia seriam vistos e sem imaginar que, mais tarde, seria chamado de guardião de sementes crioulas.

Hoje com 56 anos, mantém 36 variedades de arroz crioulo, 12 com destino comercial em feiras. Os chamados guardiões são vistos atualmente praticamente como heróis, já que preservam o patrimônio cultural das espécies, proporcionam segurança alimentar pra humanidade e por toda a dedicação a que se submetem.

As sementes crioulas são as adaptadas a um ambiente específico, de determinado local, ao longo de muitos anos. Cada uma adquire características regionais e culturais, contribuindo com a biodiversidade e segurança alimentar das famílias mantenedoras, já que se tornam mais resistentes e menos dependentes de insumos.


O trabalho dos guardiões consiste em manter e preservar variedades locais de sementes ao longo dos anos. Na prática, exige muita dedicação, já que é diferente de produzir alimentos. A semente é delicadamente retirada da planta antes da formação do alimento em si. Além disso as variedades ficam sujeitas ao clima e interferência transgênica ou química de vizinhos. Ainda é praticada a troca entre guardiões da mesma região ou de territórios diferentes para teste em cada local, podendo essa se manter ou dar origem a uma nova semente. 

Geralmente os guardiões trabalham sozinhos, com muita dedicação e de acordo com sua realidade para selecionar e manter espécies. O envolvimento não é compreendido por quem vê as sementes puramente como um meio para a produção de alimentos, comercialmente.

Não sei se consegui transmitir o quão especial é o contato com esses guardiões. Tive o meu pela segunda vez em um Seminário de Agrobiodiversidade e Segurança Alimentar em Pelotas/RS. Na primeira vez (2013), lembro do relato de uma indígena que, de maneira muito simples, contou como mantinha milho e mandioca em sua pequena área de produção. Pequena mesmo, alguns metros.

O que me chamou atenção foi a riqueza de uma simples observação:

- Quando damos espiga de milho transgênico para os porcos eles não querem comer, deixam no chão. Já as nossas espigas eles ficam doidos só de sentir o cheiro e comem tudo na hora.

A própria natureza aceita o que é natural. Já o que foi geneticamente modificado soa estranho. Os humanos, da mesma forma, se prestarem atenção, conseguem perceber a diferença de um alimento natural e de um modificado. O sabor a cor... os efeitos no organismo. Ainda se busca confirmação da confusão que um alimento transgênico pode causar no organismo humano. Talvez a resposta para tantas síndromes e doenças genéticas.

- Lá na tribo a gente nunca fica doente. Tenho mais de 50 anos de idade e nunca fui no médico, nunca precisei - Disse a índia confirmando meu pensamento.

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