quinta-feira, 10 de abril de 2014

O filho ficou

O dia estava quente para o mês de abril, as nuvens rajadas riscavam o céu bem azul, um número considerável de carros formava uma fila na beira da lavoura indicando que muitas pessoas se reuniam para um dia de campo sobre cultivares de soja. Apesar de ser uma cena que já presenciei diversas vezes, algo me fez despertar do rotineiro roteiro de apurar as informações.
- Quem pode te responder melhor esta questão é o filho do agricultor, disse a agrônoma responsável pela lavoura.
Um jovem que aparentava ter vinte e poucos anos foi chamado e se aproximou em meio aos presentes. Neste momento me esqueci do foco, a soja, e pensei "ele ficou". E quanto mais ele falava eu pensa "Viva! Ele permaneceu".
A permanência do jovem no campo é muito rara hoje em dia. O trabalho agropecuário é penoso e exige força de vontade e paixão. Os filhos de agricultores, diante das novas tecnologias e possibilidade de estudo, não querem permanecer no campo. Estão acostumado a ver as dificuldades da atividade e não sonham com este futuro.
Quando a propriedade ainda tem tecnificação do procedimento a atividade se torna mais atrativa. Caso contrário, qual é o jovem que quer passar trabalho? Virando a terra, capinando, tirando leite de madrugada, mantendo as estufas de fumo. A população rural passa por um processo de masculinização e envelhecimento nesses dias. A opção de reduzir o número de filhos acompanha o pensamento contemporâneo, reduzindo as probabilidades no campo de um dos filhos querer prosseguir na atividade.
O que isso importa? Quem vai produzir alimentos básicos? Fora das feirinhas, você não notou que os alimentos estão cada vez mais caros? Eles tem que vir de algum lugar, quanto mais longe mais caro. Quem é a favor de políticas públicas para incentivar a permanência do jovem no campo? Quem as aplica? Quem os valoriza?

Minha preocupação vem das dezenas de pautas que fiz, pelo menos na minha região, em que os agricultores, na maioria das vezes com mais de 50, 60 anos, não tinham um sucessor que fosse dar seguimento ao trabalho da família. E quem faz ao contrário? Vai do campo pra cidade?



Foto: Kamilla Alves


Meu coração vibra ao saber que um filho vai permanecer na propriedade e dar seguimento a produção. Apesar de toda a dificuldade, são tão essenciais como professores, médicos, arquitetos... 

Isso me faz lembrar um diálogo que tive em uma reportagem sobre produção agroecológica:

- Meus dois filhos, hoje adultos, foram estudar na cidade. Só tenho o pequeno que é nossa última esperança, mas não queremos pressioná-lo. Ao mesmo tempo nos preocupamos, com 20 anos de reestruturação de um ecossistema para produzir ecologicamente, quem vai dar seguimento a este trabalho. Somos eu, meu marido e o pequeno.
- Seus filhos não se especializaram na área? Não vão voltar?
- Se especializaram, mas não querem voltar, querem morar na cidade.
- Sabe, sei que a vida aqui é difícil, distante do centro, há muito trabalho. Mas na cidade também trabalhamos que nem uns animais, corremos atrás de dinheiro, ficamos doentes, com depressão, tomamos remédios, enquanto parece que a vida aqui é mais saudável.
- É realmente, na cidade tem assalto, violência, isso ainda não chegou aqui. Acho que a vida lá não deve ser tão fácil.

Eu não queria ir embora dali. Queria ficar, comer uma comidinha caseira, ouvir os grilos, fugir da tecnologia, fiquei com medo da cidade.



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